Poesia, Matemática, Cinema, Artes, Música, Ciência... Isso é Alice Na Matrix!
terça-feira, 4 de dezembro de 2018
Hoje faz dois anos que Ferreira Gullar partiu... Tive duas oportunidades de vê-lo falar e declamar suas poesias, além de um livro autografado e o incentivo em ser poeta. Felizmente fica o seu legado em cada verso de cada poesia.
Compartilho dois (na verdade três) de seus poemas que mais gosto...
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim ´
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Dois e dois: quatro
Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade, pequena.
Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como azul é o oceano
e a lagoa, serena.
como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena
- sei que dois e dois são quatro
que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.
Sugiro a leitura de "Toda poesia: (1950 - 1980)", 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
Ah! E para quem não sabe, a letra da música "Borbulhas de Amor", interpretada por Raimundo Fagner, é de Ferreira Gullar.
Sob a luz do luar,
Me ponho a sonhar...
Esses meus versinhos são primários
E meus sonhos são vários...
São tantos que se perdem na noite e na escuridão...
Mas a Lua ilumina meus pensamentos e meu coração,
Me faz crer num amor de verdade,
Na vida vivida plenamente, sem idade,
Atemporal... sem tempo para começar,
Mas com a certeza de que um dia tudo vai terminar.
Sob a luz do luar
Quero apenas viver, sonhar, amar...
Pois o que tiver se ser, será!...
Basta apenas, e tão somente, acreditar.
É sob a luz do luar que nos entregamos sem medo e com desejo,
Nos confiamos, nos perdemos e nos encontramos num forte abraço e num doce beijo.
Sob a luz do luar fazemos planos pessoais, voos solitários, juras de amor...
Promessas impossíveis, encontramos alento em momentos de dor...
Sob a luz do luar vejo meu futuro sendo iluminado
Com a certeza de que cada um dos meus sonhos será realizado.
Lua Cheia - São Paulo, 29/05/18
Leva-me Pra Lua (versão de "Fly Me To The Moon", de Frank Sinatra), Ana Caram
Seguimos diferentes caminhos,
Topamos com alguns moinhos...
Mas, em algum momento,
Nossos caminhos se cruzam, guiados pelos vento.
Ouvimos o silêncio de nossos passos
E, a cada caminhada, estreitamos nossos laços...
Nos descobrimos e redescobrimos todos os dias,
Sejam eles repletos de tristezas, de alegrias,
Ou ainda tudojuntoemisturado...
Confundindo o profano com o sagrado,
Sem que saibamos distinguir o que real do que é imaginário...
No final reconhecemos o quão extraordinário
É estarmos aqui, vivendo a vida,
Sem temermos pela hora da partida,
Mas cientes de todos os amores e boas ações
Que preenchem, aquecem, confortam e fortalecem nossos corações.
Hoje o meu dia começou cedo, às 5h 30. Assim que o celular despertou, levantei, tomei um banho e saí para trabalhar. Foram cinco aulas de Matemática, para oitavos anos. Logo que a minha última aula terminou, atravessei a cidade para continuar com o meu trabalho... Peguei um barril de chope para levar de uma ponta a outra de São Paulo. E, mais uma vez, atravesso a cidade para uma reunião da Cervejaria.
Passei um tempo razoável em trânsito e no trânsito, sozinha... na verdade, com meus pensamentos e sentimentos. Ao mesmo tempo que pensava na agenda, nas coisas que estava fazendo e precisava fazer, foi inevitável não voltar no tempo: há dois anos perdia o meu pai.
Muitas vezes, quando estou no trânsito, me lembro dele, me lembro das nossas conversa ao longo das longas idas e vindas para o InCor.
Conversávamos sobre muitas coisas, mas tinha um assunto que era recorrente: tempo de vida x qualidade de vida. Desde que meu pai infartou pela primeira vez, em 1990, sua vida não foi mais a mesma. Sua saúde, com o tempo, foi ficando frágil. Ainda que ele se mantivesse durão, essa debilidade era nítida. Foram vários procedimentos ao longo de seus últimos 26 anos, incluindo cirurgia e um "reboot"...
Em uma das consultas, o parecer derradeiro: "Infelizmente não há mais nada que podemos fazer". É bem complicado ouvir essa constatação e lidar com ela... mas foi assim que meu pai encarou os últimos anos, com a sentença muito bem definida e anunciada.
Nas nossas conversas, a indagação sobre tomar tantos remédios por dia (vinte e poucos comprimidos) e não conseguir fazer coisas cotidianas e simples. A Medicina o mantinha vivo, mas sem qualidade de vida... e, ainda que o parecer dos médicos, em algum momento, tenha sido muito claro, não estávamos preparados para tal. (Aliás, o que tenho constatado é que nunca estamos preparados para as perdas, ainda que saibamos que um dia elas ocorrerão .)
Sabendo que meu pai tinha apenas 25% de seu coração funcionando e muitas complicações e limitações se apresentando, dia após dia, por conta disso, sempre ficava pensando no que poderia fazer para minimizar tudo isso... uma casa sem escadas, o máximo de conforto, pequenos prazeres cotidianos... muitas vezes me colocava no lugar dele na tentativa de entender um pouco mais de sua realidade... e esse era, para mim, um dos exercícios mais duros...
Apesar de lamentar sua partida, de certa forma prematura, consigo perceber que se ele tivesse sobrevivido a mais um infarto, não sei em quais condições estaria. Certamente preso numa cama... talvez em estado vegetativo... sei lá... não dá pra saber... mas qualquer uma dessas opções o deixaria absolutamente chateado, principalmente porque ele era um cara ativo. Quando penso em tudo isso, concluo que sua partida ocorreu no tempo certo, sem que houvesse mais sofrimento. Há quem me julgue por pensar assim, mas a vida e o tempo têm me mostrado isso, tem me permitido respeitar as limitações do corpo, da mente e do próprio tempo.
Recentemente conheci um trabanho muito interessante e que, para mim, faz total sentido: tratamento paliativo.
Vi um pouco desse tratamento ser aplicado ao meu avô que, em seus noventa anos de idade, sofreu com o peso do tempo... e sei que todos se esforçaram muito para dar-lhe um tratamento digno, respeitando seu tempo.
Hoje foi um dia de reflexões sobre essas questões... às vezes queremos que um ente querido, que um amigo, permaneça aqui conosco, não importa em quais condições... e isso, a meu ver, é muito egoísmo de nossa parte. Precisamos aceitar nossa finitude e fazer com o fim da jornada seja digno, respeitoso, sem dor.
O trabalho da Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - ao qual me referi anteriormente, trata disso: de como respeitar o fim, quando esse é o único meio disponível pela Medicina.
Vale a pena saber um pouco mais sobre o assunto. Creio que sua fala traz um pouco mais de esclarecimento ao assunto... afinal, "a morte é um dia que vale a pena viver ".
TEDxFMUSP - Dra. Ana Claudia Quintana Arantes
Gostaria que meu pai estivesse aqui hoje... ele estaria pirando, junto comigo, na reviravolta que a minha vida deu e está dando. Me contento com as boas lembranças e com seu desejo de que a Medicina evolua não apenas para deixar seus pacientes vivos, seja lá por quanto tempo for, mas que tenham qualidade de vida. Que esses segundos a mais valham a pena e possam ser, de fato, vividos. Caso contrário, será difícil entender o quanto essa sobrevida vale a pena (e esse é, sem dúvida, um dos meus questionamentos que me perturbam).
Pra finalizar, devo admitir que não há um dia em que não sinto saudades do meu pai. Sempre que saio pra trabalhar, me lembro dele... a minha última memória dele é vê-lo, pelo retrovisor, fechando o portão. No início foi dificílimo chegar em casa e não tê-lo mais me esperando. As boas lembranças são aquelas que ficam e aquecem o coração. É difícil não contar com sua presença física, com seu beijo e seu abraço... mas também não seria fácil tê-lo aqui, fisicamente, sem qualquer condição de dar um beijo, um abraço ou papear um pouco.
O meu amor por ele será eterno, assim como a minha gratidão e as boas lembranças, incluindo a longa conversa que tivemos - nossa última longa conversa após assistir "Interstellar", uma semana antes de sua partida numa tarde de domingo... conversamos sobre Física, sobre Teoria da Relatividade e, novamente, sobre as questões relacionadas ao tempo... o tempo de vida/sobrevida e a qualidade de vida.
Por mais que nos indignemos, nos inconformemos, nos recusemos a aceitar, uma vez estando vivos, o certo é que um dia, não sabemos quando e nem como, morreremos... todos nós, sem exceção.
Algumas vezes o quando e o como acabam dando as caras, num anúncio, que parece ser desesperador, de que a morte está próxima... não há o dia exato, mas há o período... não há a causa exata, mas há os problemas evidentes que farão ela chegar...
Fiquei pensando nisso quando me deparei com a notícia da morte de John Nash e sua esposa, Alicia. Essa foi uma daquelas notícias inesperadas. Mesmo sabendo de seus 86 anos, Nash ainda estava na ativa.
Ocorrências como essas proporcionam uma reflexão sobre os valores das coisas, sobre o que realmente devemos considerar importante, relevante, imprescindível. Às vezes, por alguma razão, brigamos, destratamos o próximo, respondemos muito mal a uma simples pergunta... claro, não são raras as vezes que nos cansamos de uma série de coisas, de algumas mesmices, de algumas manias, mas devemos ponderar tudo isso. O simples fato de sair sem falar tchau pode implicar na última oportunidade de dizer que, na verdade, ao invés de ódio o que sempre houve foi muito amor... mas, às vezes, isso pode passar de forma despercebida e sem chance de voltar atrás.
Fiquei pensando nessas coisas... fiquei pensando na nossa atual realidade composta por guerras, ataques das mais variadas ordens, fanatismos que caminham na direção contrária da paz pregada pelas tais leituras sagradas, dentre tantas outras coisas.
Parece que o melhor a fazer é nos vigiarmos diuturnamente, com o objetivo de errarmos menos, de amarmos mais, de percebermos o valor das coisas em atitudes que nem precisam ser muito rebuscadas... pequenos atos que, juntos, implicam numa enormidade ao final da nossa vida, deixando a nossa consciência tranquila, livre do peso da indiferença, do tormento do arrependimento.