Compartilho dois (na verdade três) de seus poemas que mais gosto...
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim ´
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Dois e dois: quatro
Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade, pequena.
Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como azul é o oceano
e a lagoa, serena.
como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena
- sei que dois e dois são quatro
que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.
Sugiro a leitura de "Toda poesia: (1950 - 1980)", 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
Ah! E para quem não sabe, a letra da música "Borbulhas de Amor", interpretada por Raimundo Fagner, é de Ferreira Gullar.