terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Hoje faz dois anos que Ferreira Gullar partiu... Tive duas oportunidades de vê-lo falar e declamar suas poesias, além de um livro autografado e o incentivo em ser poeta. Felizmente fica o seu legado em cada verso de cada poesia.

Compartilho dois (na verdade três) de seus poemas que mais gosto...


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim ´
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?



Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade, pequena.

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena

como azul é o oceano
e a lagoa, serena.

como um tempo de alegria
por trás do terror me acena

e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.



Sugiro a leitura de "Toda poesia: (1950 - 1980)", 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

Ah! E para quem não sabe, a letra da música "Borbulhas de Amor", interpretada por Raimundo Fagner, é de Ferreira Gullar.